De qual reforma tributária o Brasil precisa?

Artigo de Marilúcia Ferreira Paixão (Fenafisco) e de Katia Maia (Oxfam Brasil) publicado originalmente no jornal Folha de S. Paulo em 3 de março de 2020

Sistema atual agride princípios da Constituição

Marlúcia Ferreira Paixão e Katia Maia
Vice-presidenta da Federação Nacional do Fisco Estadual e Distrital (Fenafisco)
Socióloga e diretora-executiva da ONG Oxfam Brasil

As desigualdades brasileiras são crônicas, agudas, sistêmicas e multifacetadas. Algumas são imperceptíveis para a maioria, como a que é causada pelo sistema tributário.

O sistema tributário nacional é o exemplo mais antigo de agressão aos princípios fundamentais da Constituição presentes no artigo 3º, que determina nos incisos I e III: a construção de uma sociedade livre, justa e solidária; a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais.

No final dos anos 1980, o Imposto de Renda de Pessoa Física (IRPF) taxava mais progressivamente as altas rendas, com alíquotas de até 45%. Hoje, o IRPF tem uma alíquota máxima de 27,5% e não incide sobre lucros e dividendos recebidos por pessoas físicas, tornando-se um mero imposto sobre salários. Por outro lado, temos a hipertributação sobre o consumo, que onera, desproporcionalmente, os mais pobres em favor dos mais ricos.

Esse sistema está enfermo, acometido de uma doença chamada regressividade que atingiu os seus componentes: tributos diretos e indiretos. As doenças sistêmicas exigem tratamento de largo alcance, e não ações pontuais. É disso que cuida a Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), que chega nesta terça-feira (3) ao Supremo Tribunal Federal (STF).

Fruto da ideia de Oded Grajew e de estudo da professora Eloísa Machado, da Fundação Getúlio Vargas, a ADPF é uma medida judicial que questiona sistemicamente a forma como são cobrados e de quem são cobrados os impostos no Brasil.

A arguição pede ao Supremo “o reconhecimento do estado de coisas inconstitucional do sistema tributário brasileiro”, em razão de ações e/ou omissões dos Poderes Executivo e Legislativo.

As desoneração indiscriminadas, a excessiva carga de impostos sobre o consumo e a tributação insuficiente de altas rendas, grandes fortunas e heranças produziram essa situação. Nosso sistema fomenta as desigualdades e sabota os objetivos fundamentais da República.

A arguição subscrita pela Fenafisco, com o apoio da Oxfam Brasil, propõe um olhar sobre o sistema tributário.

O Brasil tem uma oportunidade única, a partir da Comissão Mista da Reforma Tributária no Congresso Nacional, de reduzir esse abismo entre cidadãs e cidadãos brasileiros.

Os presidentes da Câmara dos Deputados e do Senado Federal têm dado declarações sobre a importância da reforma. Porém, é necessário que se vá além da simplificação de impostos. A reforma deve contribuir para reduzir as desigualdades no país. Por isso estamos recorrendo ao STF, guardião último da Constituição Federal, para que indique aos Poderes Executivo e Legislativo a necessidade de uma reforma que promova a igualdade.

O Brasil não pode desperdiçar a chance de corrigir as distorções de seu sistema tributário e de construir um país mais justo.

Charge: Folha de S. Paulo

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