Distração ou empenho?

Nossa Agenda Comum e as Agendas de Desenvolvimento Sustentável da ONU
Informe sobre os processos do Secretário Geral das Nações Unidas: Nossa Agenda Comum e a Conferência do Futuro (Our Common Agenda and the Summit of the Future)
A Secretaria Geral das Nações Unidas, no intuito de acelerar os processos relacionados ao alcance dos Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), inaugurou um processo paralelo às negociações oficiais e formais conduzidas no âmbito da Assembleia Geral, do Conselho Econômico e Social, e do Conselho Tutelar para chamar atenção às emergências contemporâneas e os riscos de agravamento da situação do planeta e das vulnerabilidades humanas e da biodiversidade.
A proposta é digna e tem toda intenção em tentar estimular os países a se empenharem mais na implementação dos ODS, e das agendas do clima e de financiamento para o desenvolvimento. A plataforma da Nossa Agenda Comum (OCA), o pilar da iniciativa, é um apanhado das questões dispostas nas três grandes agendas do desenvolvimento sustentável. O entendimento da Secretaria é de que a comunidade internacional, o planeta e a sociedade em geral estão vivendo uma policrise, ou sequências intermináveis de crises que se desdobram em outras.
Um grito de alerta
Um dos diagnósticos inquestionáveis de diversos processos de investigação e análise aponta para as regras de comércio global como responsáveis pelo aprofundamento dos problemas, já que a ONU se abstém de apontar os vícios da economia de mercado concentrado do capitalismo global como o problema em si. Como bem definiu a Organização Mundial da Saúde (OMS), com o aval do Banco Mundial, diversos problemas de saúde pública relacionados às doenças crônicas não transmissíveis (DCNT) estão diretamente relacionadas ao determinantes comerciais do desenvolvimento. Em artigo há cinco anos na Lancet, revista científica com alto crédito, definiu-se a noção de sindemia, ou uma confluência de pandemias tanto causadas por questões de saúde, tanto infecciosa como crônica e não transmissível, como de meio ambiente, com a redução da biodiversidade e do equilíbrio ecológico e suas consequências.
Todas essas análises e diagnósticos foram conclusivos nos processo de negociação das agendas supracitadas. Já existem processos formais e oficiais de negociação multilateral na ONU que tem como responsabilidade e missão cumprir as declarações e resoluções aprovadas. Dessa maneira, o Mecanismo da Sociedade Civil Organizada para o FfD, questionou qual a intenção real de ao invés de conduzir os processos oficiais o Secretário Geral se empenhar tanto para criar formatos paralelos e informais para discutir os mesmos temas que são discutidos nos processos oficiais? Não seria essa OCA e a Conferência do Futuro (SOTF) uma distração dos caminhos formais de negociação? Para que mais debates sobre diagnósticos já debatidos nos fóruns oficiais?
Nem toda boa intenção resulta em avanço
Durante evento da sociedade civil promovido pelo Transnational Institute, um think tank, com representantes de governos e da sociedade civil organizada, no último dia 27 e 28 de fevereiro de 2023, a Embaixadora do Equador, Maria Fernanda Espinosa, ex-presidente da Assembleia Geral (2020), falou sobre a fadiga de tantos encontros e conferências. “Hoje se você reúne duas ou três entidades, já chama de conferência (…) daí decisões são tomadas em macro-grupos à revelia dos canais oficiais de negociação”, revelou Sra. Espinosa, que também é Chairwoman do movimento A ONU Que Queremos (C4UN), “o que acaba criando uma distração”.
O G77, grupo de 134 países em desenvolvimento que negociam em bloco e tomam posições em comum, não concorda muito com o processo que vai sendo desenvolvido de forma acelerada. A posição oficial do grupo é de que as Nações Unidas devem se concentrar em “recolocar os ODS nos trilhos” e não promover eventos que possam distrair desse intento. Sobre a Conferência do Futuro (SOTF), decidiu que vai apenas se pronunciar após as reuniões da Assembleia Geral em setembro.
A representante do Itamaraty, Viviane Rios Balbino, relatou que no momento tem tanta opção em discussão que está difícil para a equipe de Relações Exteriores brasileira definir sua direção. Seria muito bom que o SOTF fosse uma Conferência de verdade, com decisões a serem seguidas, não apenas uma reunião para pose e fotografia. Mas ela adiantou que o Itamaraty vê com preocupação esses processos informais (ad hoc) que vem sendo promovidos pelo secretariado.
Riscos de apropriação indevida na governança internacional
Existe um grande problema anunciado que é a constituição desses processos que promovem um sistema de multi-interessados (multi-stakeholder system) através de eventos informais que possam se sobrepor ao sistema multilateral constituído, mesmo que ambos produzam resultados não vinculantes.
Um dos riscos da Conferência do Futuro é a tentativa de negociar assuntos de financiamento para o desenvolvimento fora do canal de negociação oficial, que é a próxima Conferência Internacional do Financiamento para o Desenvolvimento, ao seduzir a participação em massa de grandes corporações como co-financiadoras de tais iniciativas, criando sérios conflitos de interesse, como aconteceu na Conferência de Sistemas Alimentares e a COP do Clima, de o setor privado transnacional tomar conta da governança global.
Uma parte da sociedade civil internacional, a que atua diretamente em Nova York pois lá tem sede ou filial, tem participado acriticamente da OCA e do processo informal de consulta para o SOTF. Uma outra parte da sociedade civil organizada prefere apenas tentar conter os riscos das propostas em não contagiarem de forma adversa os processos oficiais sem se empenhar diretamente na construção da Conferência, ao invés se concentrar para construir o caminho de negociação para a IV Conferência Internacional para o Desenvolvimento Sustentável, a ser definida no VIII Fórum FfD em abril deste.
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Preparado por Claudio Fernandes, economista da Gestos e do GT Agenda 2030.