NOTA PÚBLICA – Presidente Bolsonaro mente sobre compromissos brasileiros na Cúpula do Clima

Neste dia 22 de abril, durante a fala oficial na Cúpula do Clima, o governo brasileiro reafirma compromissos vagos de uma agenda que não tem interesse em cumprir. Em seu discurso, o presidente Jair Bolsonaro analisou os problemas ambientais pela ótica da emissão de gases através da queima de combustíveis fósseis, omitindo as emissões que mais pesam na conta do Brasil, que são as relacionadas a mudanças no uso da terra, como as queimadas e o desmatamento ilegal, comprovadas pelo relatório de Análise das Emissões Brasileiras de Gases de Efeito Estufa realizado pelo SEEG em 2020.
Sendo a Cúpula do Clima o primeiro espaço de diálogo internacional neste ano, estratégico para a COP 26, é fato grave que a realidade brasileira seja bastante diferente do que foi publicamente informado pelo presidente, que citou números irreais e cometeu equívocos sobre os índices de conservação da Amazônia que, até o mês de março deste ano, registrou o maior percentual de desmatamento em 10 anos, segundo o Imazon.
O presidente ainda citou questões relacionadas ao “desenvolvimento humano” na região amazônica, como um desafio complexo e oneroso, desconsiderando as populações locais que são essenciais para criar soluções sustentáveis e o incentivo às políticas que valorizem a floresta em pé. Lembramos que, segundo o compromisso com o Acordo de Paris, o Brasil tem como meta restaurar 12 milhões de hectares de florestas e paisagens até 2030. O que se torna ainda mais urgente, visto o grande incêndio que ocorreu na Amazônia em agosto de 2019, ficando conhecido como “Dia do Fogo”.
Notório que, mesmo após quase 2 anos do “Dia do Fogo”, só houve regressos e os únicos avanços foram o “da boiada” e o das queimadas. Como aconteceu entre julho e agosto de 2020, as queimadas no Cerrado e Pantanal foram intensas, devido à estiagem e à seca que assolaram os dois biomas, principalmente pela ausência da umidade trazida pelos “rios voadores” da Floresta Amazônica, uma consequência direta do desmatamento ilegal do ano anterior.
O discurso do presidente só expôs o quanto sua gestão se desalinha do desenvolvimento sustentável e privilegia o potencial de negócios da área. Mas o mundo sabe ao que ele se refere: o garimpo e a extração de madeira ilegal são suas estratégias de desenvolvimento. De fato, povos das florestas (extrativistas, indígenas, pescadores e ribeirinhos) foram colocados às margens do desenvolvimento e na mira das injustiças e vulnerabilidades causadas pelas mudanças climáticas, agravadas pela pandemia da Covid-19. A fala presidencial ignorou a valorização econômica da biodiversidade e dos benefícios que podem ser obtidos por meio da restauração de ecossistema e recomposição da vegetação nativa, que ao mesmo tempo gera renda e riqueza e aumenta a cobertura vegetal.
O governo de Bolsonaro não tem ações práticas, coordenadas e eficazes para combater a degradação do meio ambiente no Brasil. Até mesmo o Fundo da Amazônia, que contou com bilhões de dólares oriundos de doações internacionais, sofre com paralisações por ações diretas do governo federal. Reconhecendo a falta de confiabilidade no governo, países como a Noruega e a Alemanha, por exemplo, suspenderam o repasse ao fundo, que é o maior existente para a preservação de florestas.
Já no que se refere às NDCs (Contribuições Nacionalmente Determinadas) – que são as metas propostas por cada país signatário do Acordo de Paris –, a proposta apresentada pelo governo brasileiro em dezembro de 2020 é, na verdade, um retrocesso se comparada à primeira versão sinalizada no momento de assinatura do Acordo como compromisso brasileiro. Ao contrário do que foi anunciado por Bolsonaro, que hoje afirmou continuar “a colaborar com os esforços mundiais contra a mudança do clima”, a NDC brasileira, na prática, é menos ambiciosa que a anterior, abrindo um precedente internacional perigoso ao estar cerca de 400 milhões de toneladas de carbono maior do que era em 2015. Foi neste sentido que, recentemente, um grupo de seis jovens do Engajamundo (membro do GT A2030) e Fridays For Future Brasil entrou com uma ação judicial processando o governo brasileiro por “pedalada” climática e demandando a anulação da meta do Brasil revisada para o Acordo de Paris.
Além das inverídicas afirmações de que o Brasil está comprometido com as metas, Bolsonaro mencionou os povos indígenas e comunidades tradicionais como parte de um projeto em busca de viabilizar uma governança da terra, quando as evidências mostram que o seu mandato é marcado pela falta de transparência e participação popular nas decisões tomadas em relação às pautas ambientais, como aponta estudo realizado pelas organizações Artigo 19, Imaflora e Instituto Socioambiental.
A verdade é que, longe do que o presidente da República declarou, de que “reduziremos em quase 50% nossas emissões até essa data”, o Brasil não está no caminho para a neutralidade climática – está, na verdade, fortalecendo cada vez mais um caminho que vai na sua contramão. O presidente Bolsonaro, mais uma vez, mente ao mundo, contribuindo para que o Brasil perca, ainda mais, a sua credibilidade internacional.
O discurso na íntegra do presidente pode ser lido aqui.
Brasil, 22 de abril de 2021.
Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 – GT Agenda 2030