Em 5 anos, somente 4 das 20 metas do Plano Nacional de Educação tiveram algum avanço

Cortes no orçamento e avanço da privatização são os principais obstáculos para a universalização do acesso à educação de qualidade e para a implementação do PNE até 2024, podendo impactar também o ciclo seguinte (2024-2034)
Apenas 4 das 20 metas previstas desde 2014 no Plano Nacional de Educação (PNE) apresentaram algum avanço até 2019. Nenhuma foi integralmente cumprida. Isto porque o andamento das ações contidas na principal política pública do país na área da educação foi gravemente impactado pela Emenda Constitucional (EC) 95/2016, que congelou por 20 anos os investimentos da União em educação, saúde e outras áreas sociais. É o que revela o Relatório Luz 2019, que acaba de ser lançado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 (GT Agenda 2030).
A publicação, que está em sua terceira edição, analisa a implementação dos 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS) no Brasil a partir de dados oficiais e apresenta recomendações para que sejam alcançados. De maneira geral, o cenário encontrado é de violações e desrespeito aos direitos sociais, ambientais e econômicos, que vem se acentuando desde 2018. Ao mesmo tempo em que crescem a pobreza, o desemprego e a violência contra a mulher no país, são reduzidos os recursos para áreas como saúde e educação e nega-se o processo de mudança climática, entre tantos outros problemas que impedem que o Brasil atinja os ODS.
“Chegamos às vésperas de completar um terço da agenda e a avaliação geral é que ela tem caminhado a passos ainda aquém da necessidade para o atingimento dos direitos humanos sobre os quais ela prevê avançar. Além disso, o avanço notado segue desigual e diversos países em desenvolvimento têm enfrentado crises políticas e econômicas que apresentam inclusive retrocessos em relação aos compromissos assumidos no âmbito internacional. Esse é infelizmente o caso do Brasil”, analisou Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha Nacional pelo Direito à Educação.
Desta vez, a análise ganha ainda mais importância, visto que o Brasil foi um dos 47 entes nacionais que haviam se comprometido a mostrar suas políticas nos setores social e ambiental durante o Fórum Político de Alto Nível (High-Level Political Forum – HLPF 2019), ocorrido em julho em Nova York, mas o governo federal desistiu de apresentar sua Revisão Nacional Voluntária. Como o HLPF é a mais alta instância das Nações Unidas para o monitoramento da Agenda 2030, o Relatório Luz 2019 torna-se, então, a principal fonte de avaliação sobre os avanços e desafios do país frente à agenda global de sustentabilidade no último ano.
Em relação ao Objetivo de Desenvolvimento Sustentável 4 (Educação de Qualidade), o Relatório Luz 2019 mostra que a EC 95/2016 inviabilizou a implementação do mecanismo Custo Aluno-Qualidade (CAQi/CAQ), que previa o aumento do investimento em educação e maior aporte da União, vinculando o financiamento a parâmetros de qualidade para a educação básica (Meta 4.1 da Agenda 2030). Tais insumos não foram regulamentados, tampouco estabelecidos e implementados.
Além disso, o dispositivo do PNE que previa a universalização do acesso à escola para as crianças de 4 e 5 anos até 2016 se encontra em atraso (Meta 4.2). Até aquele ano, a taxa alcançou apenas 91,5%, chegando a 93% em 2017 (Gráfico 2). Entre 2014 e 2017, a taxa de escolarização cresceu apenas 4% dos 11% necessários para chegar à totalidade esperada, de acordo com dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD). Para que pelo menos metade das crianças de até 3 anos estejam na escola em 2024 (apenas 34,1% estavam em 2017 – Gráfico 1), seria necessário investir o suficiente de forma a garantir acesso às creches a mais 20% da população nessa faixa etária. Em 2017, o aumento foi de apenas 4%.
O capítulo do Relatório Luz 2019 dedicado ao ODS 4 foi elaborado por especialistas da Campanha Nacional pelo Direito à Educação, com a colaboração da Visão Mundial, do Instituto de Desenvolvimento e Direitos Humanos (IDDH) e da ActionAid Brasil. Segundo eles, recentemente, políticas para a primeira infância passaram a adotar propostas de atendimento em espaços inadequados às necessidades da educação de crianças pequenas e com profissionais sem formação específica. Políticas como o “Criança Feliz” retrocederam a perspectiva da educação para a do assistencialismo.
Educação profissional e superior – Para as Metas 4.3 e 4.b da Agenda 2030, o Relatório Luz 2019 aponta que a educação profissional tem recebido diferentes graus de priorização em investimento nos últimos anos, causando uma oscilação na sua expansão. Ainda assim, o Brasil está muito longe de triplicar a oferta de vagas na educação profissional técnica de nível médio, conforme prevê o PNE. Já o acesso à educação superior segue restrito. O percentual da população de 18 a 24 anos que frequenta ou já concluiu cursos de graduação foi de apenas 25,6% em 2018, para uma meta de 33% em 2024 (Gráfico 4). Além disso, a participação da rede pública na expansão das matrículas no ensino superior, em 2017, foi de apenas 11,8%, para uma meta de 40,6% em 2024.
Analfabetismo – A redução do analfabetismo funcional e o alcance das Metas 4.4 e 4.6 da Agenda 2030 seguem um desafio, como mostra o Gráfico 6. De acordo com o Relatório Luz 2019, seria necessária uma redução de mais de 15% da taxa atual de analfabetismo funcional até 2024. Em 2018, a taxa de 93,5% esperada para a alfabetização dos brasileiros em 2015 ainda não havia sido alcançada. É importante lembrar que uma das primeiras ações do Governo Temer foi desmontar o programa Brasil Alfabetizado, voltado para jovens, adultos e idosos, que priorizava municípios com altas taxas de analfabetismo (90% destes na região Nordeste). Até hoje, a política elaborada para este público não foi reestruturada e cresce o fechamento e sucateamento de escolas nessa modalidade.
A publicação também demonstra uma preocupação com a eliminação das disparidades de gênero e garantia da igualdade de acesso a todos os níveis de educação e formação profissional para os indivíduos mais vulneráveis, incluindo pessoas com deficiência, povos indígenas e crianças em situação de vulnerabilidade, como preconiza a Meta 4.5.
O avanço da privatização, o projeto “Escola Sem Partido”, a educação domiciliar, o fim da Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (SECADI/MEC) e o aumento do número de escolas estaduais geridas pela Polícia Militar são outras das preocupações apontadas pelo Relatório Luz 2019 que ameaçam o cumprimento do Objetivo 4 da Agenda 2030 no Brasil.
“O avanço da privatização também foi uma das pontuações que levamos sobre a situação do direito à educação no Brasil, que tem recebido iniciativas de financeirização da educação, já testadas em outros países do mundo, trazendo precarização da oferta e um aprofundamento das desigualdades educacionais”, afirmou Andressa Pellanda, coordenadora executiva da Campanha.
Entre as recomendações feitas pelos especialistas do GT Agenda 2030 para que o ODS 4 seja alcançado estão: a revogação da EC 95/2016; a garantia da oferta de educação pública e de qualidade, a formação inicial e continuada e a valorização dos(as) profissionais da educação; e a garantia do direito à educação para todas e todos como um bem público, com qualidade socialmente referenciada, e a retenção do avanço da privatização da educação, que ameaça o direito à educação.
Sobre a Agenda 2030 – A Agenda 2030 é um plano de ação global ratificado em 2015 na ONU por 193 países – inclusive o Brasil – para promover o bem-estar geral da população mundial e do planeta até o ano de 2030. O plano estabelece compromissos para governos, iniciativa privada e sociedade por meio de 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), sucessores dos Objetivos do Milênio (ODM).
Sobre o GT Agenda 2030 – O Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para a Agenda 2030 é uma coalizão formada por mais de 40 organizações não governamentais, movimentos sociais, fóruns e fundações brasileiras que atuam no seguimento da implementação e monitoramento da Agenda 2030. O grupo, formalizado em setembro de 2014, incide sobre o Estado brasileiro e as organizações multilaterais, promovendo o desenvolvimento sustentável, o combate às desigualdades e às injustiças e o fortalecimento de direitos universais, indivisíveis e interdependentes, com base no pleno envolvimento da sociedade civil em todos os espaços de tomada de decisão.
Acesse aqui o Relatório Luz 2019 completo.
Foto: Agência Brasil
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