Brasil tem enormes desafios para alcançar a igualdade de gênero

Relatório Luz 2018 destaca que o fim da discriminação contra todas as mulheres e meninas tem poucos avanços e impacta o alcance das metas do ODS 5

A Agenda 2030 funciona como um mapa colaborativo para a busca pelo desenvolvimento sustentável. Os 17 Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) traduzem as necessidades das pessoas e do planeta em várias dimensões. Para o ODS 5: Igualdade de Gênero, as metas estipuladas pretendem alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas. O alcance dessas metas pelo Brasil representa desafios enormes em um cenário no qual todas políticas nesta área estão em colapso, com a extinção da Secretaria de Políticas para Mulheres, em 2016, e com as sérias restrições orçamentárias das secretarias dedicadas às temáticas de gênero.

O Brasil tem desconstruído as políticas de gênero, indo em direção contrária às metas da Agenda 2030. O alerta é feito pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GTSC Agenda 2030) no Relatório Luz 2018, publicação sobre o avanço da implementação dos 17 ODS e lançado em julho de 2018. De acordo com o documento, o desempenho brasileiro de mulheres nos parlamentos, por exemplo, é inferior aos da África Subsaariana e dos Países Árabes e não alcança sequer a média mundial de 1990, um atraso de 30 anos.

Segundo o Projeto Mulheres Inspiradoras (PMI), no ritmo atual, a igualdade de gênero no Congresso Nacional só ocorrerá em 2080, daqui a 15 legislaturas. O Relatório Nacional Voluntário do governo do Brasil de 2017 escondeu a gravidade da situação em que vivem meninas e mulheres no país.
Relatório Luz 2018 | ODS 5: Igualdade de Gênero

O fim da discriminação contra todas as mulheres e meninas tem poucos avanços, aponta o Relatório Luz 2018. Mesmo que a Constituição Federal e várias leis proíbam tratamento diferenciado em razão do sexo, trabalhando mais e tendo um nível educacional maior, as mulheres recebem, em média, 76,5% dos rendimentos dos homens. Ainda assim, o Governo Federal promove reformas como a Trabalhista e a Previdenciária que aumentarão, ainda mais, a desigualdade de gênero.

Sobre eliminar todas as formas de violência, os dados gritam a gravidade da situação. O orçamento da “Política Para as Mulheres: Promoção da Autonomia e Enfrentamento à Violência” foi reduzido em mais de um terço entre 2016 e 2017, passando de R$ 87,5 milhões para R$ 59,1 milhões. Enquanto isso aumentaram as denúncias de violências contra mulheres.

Entre 2005 e 2015, os registros de assassinatos de mulheres negras aumentaram em 22%. Apesar da violência doméstica ser a mais frequente, em uma pesquisa da Action Aids (2016), 87% das mulheres pesquisadas afirmaram já terem sofrido assédio sexual em público. Tais dados podem ser maiores e a subnotificação pode ser fruto do desconhecimento do sistema de denúncia, do medo, ou pela não-percepção de que determinada prática é violência.

O Brasil ocupa o quarto lugar em maior número absoluto de casamentos infantis, atrás da Índia, Bangladesh e Nigéria. A maior ocorrência se dá em áreas rurais e em famílias em situação socioeconômica vulnerável, condição alimentada pelo aumento de pobreza, falta de oportunidades laborais para jovens; gravidez não planejada; violência sexual, insuficiência legal e de políticas públicas.

Somando as horas de trabalhos remunerados às de cuidados de pessoas e do lar, as mulheres continuam a trabalhar em média, 54,4 horas semanais versus 51,4 horas semanais dos homens. Em 2016, segundo a PNAD, as brasileiras dedicaram quase 73% mais tempo que os homens ao cuidado de pessoas e/ou afazeres domésticos (18,1h contra 10,5h), sendo a região Nordeste a mais desigual: elas dedicaram 19 h/semana, 80% a mais do que os homens. As pretas ou pardas registraram 18,6 horas semanais.

Sem acesso universal à saúde sexual e reprodutiva e aos direitos reprodutivos, as brasileiras seguem enfrentando altos índices de gestações não planejadas e de mortes em decorrência de complicações durante a gravidez, o parto e o pós-parto e entre elas cresce a incidência de infecções de doenças sexualmente transmissíveis. O IBGE indica que 7 em cada 10 das mães com idade entre 15 e 19 anos são negras. Em 2016, dos 2.854.380 nascimentos registrados, 500.630 foram de mães com menos de 19 anos, das quais 16,7% portavam o vírus do HIV, a taxa que manteve-se praticamente igual em relação ao ano anterior.

O acesso à propriedade e o controle sobre a terra, continuam razão de duros e violentos conflitos. O processo demográfico da redução da população rural no país e a diminuição da população rural feminina continua a ocorrer, inclusive, pelas relações assimétricas de gênero nos espaços privado e público das famílias. A dependência e a fragilidade econômica destas mulheres e as múltiplas violências de gênero que sofrem são desafios que o Brasil não tem enfrentado. Segundo a OXFAM, cerca de 12% das terras no Brasil pertencem às mulheres, pouco mais de 5% das áreas rurais. Ademais, as mulheres permanecem impedidas de acessar a maioria dos instrumentos financeiros.

Aumentar o uso de tecnologias de base, em particular as tecnologias de informação e comunicação, para promover o empoderamento das mulheres será difícil num contexto onde o número de profissionais mulheres nas áreas de Tecnologias de Informação (TI) e Comunicação segue muito baixo. Segundo a PNAD, entre mais de 580 mil profissionais de TI no país, apenas 20% são mulheres. 

Recomendações

  1. Destinar orçamento adequado às políticas públicas e programas para prevenir e reduzir a violência de gênero e garantir às mulheres e meninas acesso à educação de qualidade, profissionalização e emprego digno, em igualdade de condições.
  2. Garantir a efetiva implementação da Lei Maria da Penha; da Lei do Feminicídio; Lei 13.431/2017 que protege crianças e adolescentes; do Princípio da organização de atendimento público especializado para mulheres e vítimas de violência doméstica no SUS (Lei 13.427/2017).
  3. Sancionar leis que visem o fim da violência e desigualdade de gênero, tais como:
    1. PL de criação do Sistema Nacional de Política para as Mulheres (SINAPOM), que contempla a criação de um Fundo Nacional de Políticas para Mulheres.
    2. PL 14/2018, que obriga divulgar o serviço de denúncia da VCM (Disque 180).
    3. PL 8.042/2014: Combate à exploração sexual de crianças e adolescentes em contratos públicos de grandes obras.
    4. PL 6.895/2017: Protege meninas contra a exploração do trabalho infantil doméstico.
    5. PL 10285/2017: Lei Maria da Penha nas Escolas.
    6. PLS 312/2017: Coibição de assédio e abuso sexual no transporte público.
    7. Projetos de Lei que tornam legal e acessível o aborto seguro em todas as situações e a todas as mulheres e meninas que assim o desejem, sem estigma e discriminação.
  4. Garantir acesso fácil à informação e aos serviços de apoio e canais de denúncia de violências.
  5. Reformar o sistema político e cumprir a legislação eleitoral das cotas de representação por sexo por partido ou coligação e fomentar novas lideranças entre mulheres.
  6. Ofertar serviços de saúde integrais, amigáveis e não discriminatórios para meninas e mulheres, especialmente sobre seus direitos sexuais e direitos reprodutivos.
  7. Garantir o acesso a métodos anticonceptivos e tornar o aborto legal, seguro e acessível à todas as mulheres e meninas que o queiram, sem estigma e discriminação.
  8. Assegurar e promover a discussão de gênero e diversidade sexual, baseada nos direitos humanos, nos ambientes escolares.
  9. Estabelecer marco teórico e técnico sobre o casamento na infância e na adolescência e sensibilizar a população sobre suas consequências prejudiciais.
  10. Criar, via instituições financeiras, produtos que tomem em conta a perspectiva de gênero, fortaleçam as competências das mulheres e promovam o crescimento de seus negócios.
  11. Aumentar a proporção de mulheres usando e criando tecnologias via projetos e políticas públicas que estimulem e viabilizem a participação e formação de meninas e mulheres na área.
  12. Implementar políticas baseadas na coleta, publicação e divulgação proativa de dados sobre a situação das mulheres, com dados desagregados por sexo, gênero, classe, raça/cor, status de deficiência, migratórios e outras categorias relevantes.
  13. Aprovar e sancionar o PLC 56/2018, que proibirá o casamento de pessoas menores de 16 anos de idade.

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