Dia Mundial da Alimentação conclama para erradicação da probreza e má nutrição até 2030

GT Agenda 2030 alerta que o Brasil está na contramão das metas do ODS 2: Fome Zero e Agricultura Sustentável
Erradicar a fome e a má nutrição ainda é possível até 2030, prazo estabelecido pela comunidade internacional para que os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS) sejam cumpridos, a chamada Agenda 2030. Ainda faltam 12 anos. Essa é a mensagem-chave da FAO (braço da ONU para alimentação e agricultura) para este 16 de outubro de 2018, Dia Mundial da Alimentação.
A Agenda 2030 funciona como um mapa colaborativo para a busca pelo desenvolvimento sustentável. Os 17 ODS traduzem as necessidades do planeta em várias dimensões. Para o ODS 2: Fome Zero e Agricultura Sustentável, o Brasil seguiu nos últimos anos exatamente o caminho oposto ao proposto no acordo celebrado por 193 países na ONU. É o que mostra o Relatório Luz 2018, elaborado pelo Grupo de Trabalho da Sociedade Civil para Agenda 2030 (GT Agenda 2030) e lançado no país em julho de 2018.
De acordo com o Relatório Luz 2018, desde 2016, acentuam-se os cortes orçamentários nos programas de segurança alimentar, no apoio à agricultura familiar e camponesa e na regularização dos territórios indígenas e quilombolas. Com a crise econômica nacional, alguns programas estaduais e municipais vêm sendo descontinuados, agravando ainda mais o quadro de desproteção dos mais pobres.
O documento mostra que programas de distribuição de alimentos, que antes já vinham sendo reduzidos, estão sendo extintos, ao mesmo tempo em que vários equipamentos, como é o caso de restaurantes populares, têm sido fechados por causa da crise. Registre-se, ainda, a situação de crescimento acelerado de refugiados nas fronteiras do país, que passam a ser um novo grupo com grande vulnerabilidade à fome.
“A vulnerabilidade à fome está diretamente relacionada com a condição de extrema pobreza (ODS 1). Tal condição se agrava com a perda de direitos sociais e a crescente omissão do Estado em garantir proteção social aos grupos mais vulneráveis. Desde 2016, acentuam-se os cortes orçamentários nos programas de segurança alimentar, no apoio à agricultura familiar e camponesa e na regularização dos territórios indígenas e quilombolas.”
Alessandra Nilo | Co-facilitadora GT Agenda 2030 | Gestos
A avaliação do GT Agenda 2030 ressalta, entre outros pontos, que um conjunto de ações criadas ou fortalecidas nos últimos quinze anos, decisivas para enfrentar a insegurança alimentar e nutricional como o Programa de Aquisição de Alimentos (PAA) e a Política Nacional de Assistência Técnica (PNATER), tornaram-se vítimas do atual desmonte de políticas para a agricultura familiar e camponesa, atestando que o Brasil está na contramão do ODS 2.
Fome Zero brasileiro inspirou ODS 2
Em artigo publicado na Folha de S.Paulo, o diretor-geral da FAO, José Graziano da Silva, destacou que em um mundo assolado por conflitos e por efeitos climáticos catastróficos em que 821 milhões ainda passam fome, o objetivo fome zero global parece utópico. Mas não é. E o Brasil é prova viva de que estamos ante uma meta alcançável.
“Esse reconhecimento é a prova de que a fome no Brasil, antes motivo de vergonha, passasse a ter em suas soluções uma razão para se orgulhar. Não é difícil concluir que as bem-sucedidas políticas de combate à fome tornaram-se um ativo da política externa do país, que se notabilizou por exportar suas tecnologias sociais para a África, Ásia e outras partes do mundo. É uma questão de Estado, que precisa transcender governos e visões políticas e partidárias.”
José Graziano | Diretor-Geral da FAO
No texto, publicado na data em que a FAO celebra 73 anos de criação, o brasileiro, que foi ministro Extraordinário de Segurança Alimentar e Combate à Fome (2003-2004, governo Lula), relembrou o lançamento do programa Fome Zero, em 2003, que visava à erradicação da fome e da desnutrição no país, combatendo suas causas subjacentes, especialmente a miséria absoluta.
Com uma força-tarefa interministerial que aproveitou um conjunto de 31 programas já existentes, o programa permitiu que dezenas de milhões de brasileiros tivessem sua renda média aumentada em cerca de 20%. No caso dos agricultores familiares, esse aumento chegou a 33%.
Graziano afirma que com o Fome Zero e as políticas sociais subsequentes, como o Bolsa Família, o Brasil conseguiu reduzir a fome de 10,6% de sua população total (cerca de 19 milhões de pessoas) no início dos anos 2000 para menos de 2,5% no triênio 2008-2010, segundo as estatísticas da FAO. Tudo isso em menos de dez anos. Essa drástica redução, avalia, foi possível devido à implementação de políticas públicas voltadas a combater a pobreza extrema e os impactos das secas prolongadas no Nordeste.
A experiência brasileira tornou-se referência para outras nações, gerando grande demanda por cooperação bilateral ou multilateral. A FAO associou-se a esse programa desde a sua elaboração e replicou seu sucesso fora do Brasil em diversas etapas. Em 2005, Brasil e Guatemala propuseram que o Fome Zero servisse de modelo para erradicar a fome em toda a América Latina e o Caribe. A proposta foi posteriormente endossada por 29 países da região, que assumiram esse compromisso até 2025 na iniciativa América Latina sin Hambre. Em 2009, o modelo inspirou a FAO a propor, durante a Cúpula Mundial da Alimentação, a erradicação da fome em todo o globo até 2025.
Três anos depois, em 2012, o então secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, lançou o “Desafio Fome Zero” durante a Cúpula Rio+20: um conjunto de cinco pontos que pedia o fim da fome e desnutrição em todas as suas formas. Naquela ocasião, citou o Brasil como exemplo a ser seguido. Por fim, em 2015, o Objetivo Fome Zero consolidou-se como ODS número 2, adotado por unanimidade pelos países na Assembleia-Geral daquele ano. É o Zero Hunger.