O eterno entrave do financiamento, agora na COP 21

A questão presente na mesa de negociação é qual o tamanho do compromisso intergovernamental que será realizado para enfrentar “o quem paga a conta?”. Sobre esta discussão sempre é importante lembrar que parte deste recurso encontra-se no capital especulativo e nas evasões fiscais que constituem práticas responsáveis todos os dias por surrupiar recursos hegemonicamente públicos que deveriam ser destinados às políticas de desenvolvimento sustentável, enfrentamento à pobreza, redução das desigualdades e ações sócio-ambientais correlatas às mudanças climáticas que fortemente atingem países em desenvolvimento. Na linha de articulação dos processos, afinal a COP 21 insere-se num contexto de três estratégias globais que ocorreram em 2015, a Cúpula de Desenvolvimento Sustentável da ONU em setembro em Nova York e a III Conferência de Financiamento para o Desenvolvimento em julho em Addis Ababa, a grande perda política no que tange ao tema do financiamento se deu no não fortalecimento do caráter intergovernamental do Comitê de Peritos sobre Cooperação Internacional em Matéria Fiscal, com fortalecimento de seu papel de regulador junto as práticas de taxação no âmbito das Nações Unidas, com a reorientação de seu status consultivo.
Em geral, a vocalização dos países junto a este tema caminha na linha “faremos a defesa desde que este ponto não seja um elemento-chave para o consenso do documento, abrimos um pouco a mão para se ter documento”. Prospectivamente, como em geral este é sempre um eixo central para se ter documento, logo, não se necessita de muita elaboração para entender como os processos tendem a se encerrar.
Com a entrega da última versão do documento no sábado[1] finalizando a primeira rodada de negociação se reintroduz nesta COP um labirinto para aqueles/aquelas que caminham com sistemática nos retóricos discursos diplomáticos e acompanham diretamente pautas de âmbito multilateral expressa desde uma perspectiva da sociedade civil nas seguintes indagações: o importante – ou menos ruim – é se estabelecer um consenso mínimo entre os Estados neste fóruns a partir da pragmática visão da dificuldade cada vez maior de se produzir consensos globalmente? Ou é politicamente mais importante – ou menos ruim – visibilizar o baixo compromisso dos Estados com uma agenda, como por exemplo do não financiamento para ações que enfrentem as mudanças climáticas ao não aprovar um documento?
Neste semana, desde ontem, a negociação passa a ganhar corpo de alto nível, os/as ministros/as assumiram o processo a partir de 14 facilitadores/as. O Brasil, a partir da Ministra do Meio Ambiente, Izabella Teixeira juntamente com o Ministro de Relações Exteriores de Singapura, Vivian Balakrishnan, será responsável por destravar os nós dos temas ligados a diferença entre os países, a partir do conceito central de “responsabilidades comuns porém diferenciadas” que já compartilhamos aqui. Temos aí um grande nó ligado sempre a finança, os outros 3 temas pendentes são: mecanismos de implementação (financiamento, tecnologia e capacidades), ambição das metas e ações pré 2020. Um dado positivo, o Ministro do Meio Ambiente do Peru e presidente da COP 20 Manuel Vidal está responsável por facilitar o diálogo com a sociedade civil para a construção do preâmbulo.
O receio é que saíamos de mais uma COP com um documento aprovado, porém rebaixado e que não permite avanços significativos no temário. Analisando cuidadosamente os temas não-consensuais que estão sendo algo de atenção e facilitação ministerial nesta segunda semana de COP, todos eles se relacionam diretamente com o financiamento, uma vez que ambição nas metas, transferência de tecnologia, meios de implementação possuem como componente central a aplicação de recursos. E aí caminha o perigo, na tentativa de desate deste que é sempre um grande nó em geral se potencializa o incremento das perversas parcerias público-privadas (PPP). Não precisa-se de uma análise muito aprofundada para afirmar que as PPP caracterizam-se como diminuição do papel do Estado e em última análise dos serviços públicos. Este mecanismo de gestão aglutina a presença do setor privado em setores essenciais para o desenvolvimento social e ambiental por meio do incremento do Estado mínimo sem regulação, sem comprovação de eficiência, de qualidade na atenção dos/as usuários/as, do meio ambiente e na construção de uma práxis de prestação de serviços deslocada do exercício dos direitos sociais conquistados.
Temos na atual mesa de negociação uma complexidade que as reflexões no campo dos direitos humanos ajudariam a responder se os mesmos tivessem papel central neste fórum. O direito ao desenvolvimento não está deslocado dos direitos econômicos, dialogar afirmativamente esta premissa é considerar a interdependência e indivisibilidade dos direitos como elemento-chave constitutivo para categorização dos direitos fundamentais. Neste sentido, metas em mudanças climáticas ancoram-se no fortalecimento do direito coletivo, da garantia de práticas de sustentabilidade, preservação do meio ambiente e promoção de ações de bem comum, assim é falacioso compreender direito ao desenvolvimento desconectado do direito cultural, ambiental, dos direitos civis e do protagonismo dos grupos sociais neste processo.
Logo o tratamento da dimensão econômica presente na pauta de financiamento para as mudanças climáticas no marco das ações intergovernamentais deve ser norteado pelos direitos fundamentais. Faz-se mais que nunca aqui denunciar os retrocessos de direitos constitucionais or exemplo em proposições contemporâneas presentes em curso no Brasil de ajuste fiscal, de redemodelamento de direitos trabalhistas por exemplo, ou regulamentação das terras indígenas pelo Parlamento. Enquanto o eixo constitutivo das políticas econômicas não passar por um reordenamento estrutural visando a garantia dos direitos humanos, o financiamento continuará a ser um eterno entrave nestes fóruns porque o marcador de fala não se ancora no enfrentamento da situação de vulnerabilidade sócio-ambiental que vivemos – e nos impactos sobre as nossas vidas – mas na garantia exclusiva da retórica do capital especulativo.
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*Richarlls Martins é da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento/REBRAPD, psicólogo, mestrando em Políticas Públicas em Direitos Humanos/UFRJ, membro do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil do Brasil para a agenda 2030, representante no Brasil da rede latino-americana e caribenha Igualdad y Justicia Socioambiental/IJSA e tem participado nos últimos anos da delegação brasileira nos principais fóruns das Nações Unidas em diferentes países.
[1] Rascunho Acordo Paris 5/12: http://unfccc.int/files/bodies/awg/application/pdf/draft_paris_agreement_5dec15.pdf