COP 21: Anúncios globais em debate
Por Richarlls Martins*
Os últimos dias no Le Bourget foram marcados por comunicados e anúncios de bilhões de euros e dólares para ações em sustentabilidade, cabe esperar pela execução e em última análise pelas mudanças que tais declarações produzirão social-ambientalmente.
No primeiro dia de negociações da COP 21, o presidente Obama defendeu pela primeira vez que o futuro Acordo de Paris apresente caráter legalmente vinculante. Esta posição – esperada por ativistas em função do papel estratégico desempenhado pelos Estado Unidos no cenário geo-político – não pôde ser comemorada por muito tempo. No mesmo dia, o Congresso americano reprovou a nova regulamentação anti-carbono da administração de Obama que estava em análise no Parlamento fortemente republicano[1]. Seguindo os anúncios de impacto, o presidente chinês Xi Jinping veio a público afirmar que seu país – o mais populoso do mundo, segunda maior economia do planeta e paralelamente um dos mais poluidores – reduzirá suas metas de emissão de carvão em 60% até 2020. O quadro ambiental da China é assustador, o país chega nesta COP em estado laranja decorrente de um processo poluidor sem precedentes no norte do país, o nível de partículas de poluição no ar é 22 vezes superior ao recomendado pela Organização Mundial de Saúde. Esta conjuntura levou o governo chinês a recomendar que crianças e idosos/as não saiam de casa, em função de serem as populações mais suscetíveis aos problemas respiratórios. Neste quadro, a afirmação do presidente chinês foi recebida com especial atenção, fortemente em função do papel central que esta nação possui nos impasses de negociação para acordos em matéria ambiental.
Quase ou mais comentado por aqui foi o anúncio feito pelo chefe de governo do país anfitrião. O mandatário francês François Hollande em evento junto ao grupo de presidentes dos países africanos comprometeu-se que a França “destinará seis bilhões de euros entre 2016 2020 para a eletrificação do continente”, deste recurso “dois bilhões de euros em energias renováveis”, representando um aumento de 50% em relação ao investido dos últimos 5 anos, sendo a África o continente que receberá a maior parte do esforço de cooperação da França para os países em desenvolvimento nas ações de enfrentamento ao aquecimento global. Esta era um das posições mais esperadas, não apenas pelo grupo africano mas pelo conjunto da COP uma vez que atrelado a este anúncio há o componente central de fundo da Conferência que relaciona-se ao financiamento, transferência de tecnologia e fortalecimento das capacidades institucionais. Na linha das afirmações importantes dos últimos dias, vale a pena atentar-se para o novo fundo criado no marco do Pacto de Paris sobre Água e Adaptação às Mudanças Climáticas, que conta com cifras de mais de 1 milhão de dólares de financiamento inicial com objetivo de construir sistemas de água mais resilientes frente às mudanças do clima. Além da assinatura de prorrogação do Fundo Amazônia pelas Ministras do Meio Ambiente Izabela Teixeira, e da Noruega Tine Sundtoft no marco da COP.
Estes anúncios ocorrem num momento de significado político forte para as negociações que se passam, pois tenderão a neutralizar oposições de alguns países – no que se refere a cooperação proclamada pela França junto à África – além de diminuir algumas tensões entre países emergentes e desenvolvidos reverente à pontos de vinculação do documento, à temas como ambição das metas e ao financiamento. Um pouco disso é possível ver refletido no novo projeto de texto do Acordo[2] divulgado na versão do dia 3/12 pela manhã. Em referência ao Acordo de Paris, o presidente da CO P21, Laurent Fabius em sua última conferência de impressa junto da secretária executiva da Convenção Quadro das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas/UNFCCC, Christina Figueres ontem fez um chamado aos negociadores dos 195 países para que acelerem o trabalho. Ele afirmou que sua mensagem “é muito clara: ainda há muito trabalho a fazer, por isso temos de acelerar o processo(…)o sucesso é uma obrigação”. Alertando que o protocolo do Acordo deve estar concluído até sábado para que os Ministros assumam a negociação na próxima semana.
Para finalizar um pouco do quadro que se passa no frio de Paris no meio deste processo relativamente quente de negociação, temas centrais presentes na agenda estão inscritos nas discussões provocando tensões em especial os que se relacionam com mitagação, adaptação e perda e danos, financiamento e transparência. Na noite do dia 1/12, foi chamada uma conferência de imprensa pela atual chefe da delegação brasileira, a ministra do Meio Ambiente Izabela Teixeira. Participaram da atividade que terminou quase às 19h o embaixador Marcondes – que tem sido o principal nome do processo negociador pelo Brasil, o embaixador Figueiredo, entre outros.Os pontos centrais presentes na fala da chefe da delegação nacional – que basicamente foi a única representante governamental a se posicionar – consistiram-se na afirmação e relevância dos temas sobre transparência, direitos e deveres e como sempre financiamento.
Em sua única – e rápida – fala nesta coletiva há dois dias, o subsecretário-geral de Meio Ambiente, Energia, Ciência e Tecnologia do Ministério das Relações Exteriores do Brasil, embaixador Marcondes marcou a linha na qual vem se posicionando ao longo de sua condução neste processo de negociação, apontando que a COP 21 “é todo um trabalho que envolve o setor econômico, a matriz energética, o dia a dia da cidadania, a mobilidade urbana, como que nós construímos nossa residência e local de trabalho. Todo um trabalho, um emaranhado de temas que são muito maiores do que apenas uma negociação reduzida a meio ambiente. Isso é muito mais que meio ambiente, é uma negociação sobre como nós nos desenvolveremos, é então uma negociação sobre desenvolvimento econômico, sob novos paradigmas, sobre novos formatos orientado pela sustentabilidade.”
Uma das grandes questões para os próximos dias inscreve-se na inflexão de como neste processo diplomático serão incorporados – e se serão – temas centrais que garantem a afirmação destes novos paradigmas orientadores das políticas públicas sustentáveis, em consonância do que aponta nosso embaixador. Sábado tem-se a expectativa que o novo texto do Acordo consiga responder essa e outras questões, mas em princípio parece que estamos longe de garantir marcadores de princípio como os direitos humanos na centralidade no documento por exemplo. Em paralelo e por vezes diretamente neste processo está constituída uma rede de mobilização e atenção no aguardo dos encaminhamentos e novos anúncios na reta final desta primeira semana…
E para amanhã compartilharemos algumas reflexões sobre estas estratégias em rede de participação social no interior da COP 21 que tem atuado na introdução de uma agenda integral de sustentabilidade na tentativa de pendular e fortalecer um campo de direitos a ser refletido no Acordo de Paris. Centenas de atividades no marco da LPAA (Agenda de Ação Lima-Paris), da Área de Gerações de Clima, das discussões sobre REDD+ (redução de emissões de gases de efeito estufa provenientes do desmatamento e degradação florestal, manejo florestal, manutenção e incremento de estoque de carbono), da Coalizão da sociedade civil, do Dia da Juventude e Gerações Futuras, das sessões especiais sobre direitos humanos e povos indígenas, do grupo de mulheres, entre outras, ocorreram nos últimos dias oficiais ou paralelamente a COP 21 com o resultado prático de mobilizar atores e atrizes globais na produção de uma outra agenda.
Sobre este ponto e outras problematizações mais seguimos em diálogo amanhã.
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*Richarlls Martins é da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento/REBRAPD, psicólogo, mestrando em Políticas Públicas em Direitos Humanos/UFRJ, membro do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil do Brasil para a agenda 2030, representante no Brasil da rede latino-americana e caribenha Igualdad y Justicia Socioambiental/IJSA e tem participado nos últimos anos da delegação brasileira nos principais fóruns das Nações Unidas em diferentes países.
[1] Sobre esta tensão sugiro a leitura do curto artigo (em inglês) de: Bodansky , D. The Legal Character of the Paris Agreement: A Primer. Disponível: http://opiniojuris.org/2015/12/02/the-legal-character-of-the-paris-agreement-a-primer/ Acesso: 3/12/15
[2] Draft 3/12: http://unfccc.int/files/meetings/paris_nov_2015/in-session/application/pdf/_adp_compilation_3dec15.pdf