Da retórica a ação efetiva: refletindo sobre as palavras de ordem do início da COP 21

Por Richarlls Martins*

Nossos governos historicamente tem perdido o tempo histórico  – passado do ponto – em referência a agenda ambiental, temos uma possibilidade com esta COP da produção de (d0) novo. 201511300945283487_AP

“O problema da mudança do clima não é alheio aos brasileiros”, com estas palavras em seu discurso ontem na abertura da 21ª Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas – COP 21 a presidente do Brasil Dilma Roussef seguiu no tom dos pronunciamentos das altas representações de Estado presentes em Paris, no mais importante processo de Conferência que vivencia-se desde a Rio + 20 realizada em 2012 no Brasil.

A chefe da delegação brasileira acertou na retórica, os temas correlatos e interseccionais à questão climática não são indiferentes às brasileiras e aos brasileiros, ao menos não os deveriam ser. E o mundo sabe muito bem disso, porque são desafios globais, o entrave central dos discursos está no paradoxo de garantir que a retórica reflita-se em efetivas políticas públicas ambientais sustentáveis que afetem a realidade sócio-ambiental. Esta é a maior problemática para o mundo e especialmente constituísse questão de ordem nacional vide os últimos acontecimentos internos. Os últimos dados oficiais do Ministério do Meio Ambiente divulgados sobre o desmatamento da Amazônia referente a agosto de 2014 e julho de 2015 pelo Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais aponta um aumento de 16% em comparação ao ano anterior (crescimento de 5.012 km² para 5.831 km²) de área desmatada, e os estados de  Amazonas (54%), Rondônia (41%) e Mato Grosso (40% de aumento) foram os que mais puxaram para cima esse aumento. Em referência a maior tragédia ambiental da história do Brasil, o Relator Especial das Nações Unidas sobre os direitos humanos ao meio ambiente, John Knox, e o Relator Especial sobre direitos humanos e substâncias e resíduos perigosos, Baskut Tuncak. afirmaram que “não é aceitável que tenha demorado três semanas para que informações sobre os riscos tóxicos da catástrofe mineira tenham chegado à tona” e que “as medidas tomadas pelo governo brasileiro, a Vale e a BHP Billiton para evitar danos foram claramente insuficientes”. Para quem atua minimamente em diálogo em política externa e questões multilaterais, as afirmações da ONU são nítidas, diretas, sem falsas retóricas e estão em sintonia com as denúncias que ativistas sociais sistematicamente apontam na linha de que as políticas públicas em matéria ambiental no Brasil são ineficientes.

O primeiro dia da COP 21 apresenta para o conjunto da comunidade internacional, exemplificada no pronunciamento de nossa mais alta autoridade de representação nacional a contradição entre o discurso político e a prática pública, há um descompasso que é medido seja nos dados oficiais que visibilizam o não avanço, como no caso do desmatamento ambiental no Brasil ou a negligência na regulação, fiscalização e monitoramento da agenda sustentável como no que se passou – e se passa – em Mariana. Ambos fenômenos reais afetam em especial a população em estado de maior vulnerabilidade e sobre a vida não se deveria caber retórica possível. A abertura da COP foi marcada por um conjunto de palavras de ordem que circularam nas falas dos/as mais de 150 chefes de Estado e de governo presentes no Le Bourget, destacam-se a ênfase em “urgência”, “salvação”, “força da ordem”, “alerta”, “risco máximo”, “ambição”.

A firmeza dos vocábulos expressa num olhar atento a questão procedimental de fundo central que norteia todos os pontos conceituais de substância no processo de negociação que se reiniciou hoje no marco desta Conferência. As questões fundamentais colocadas na mesa de negociação expressadas nos dias de ontem e hoje podem ser traduzidas de duas formas: 1. Conseguiremos produzir um Acordo ao final da COP 21 que consiga refletir em seu interior as demandas simbolizadas nas palavras de ordem acima e que seja consensual em meio a diversidade política dos Estados? e 2. Que grau de vinculação terá este Acordo no âmbito normativo legal junto aos países?

O Secretário Geral ONU Ban Ki-Moon afirmou ontem que “temos que andar mais depressa e ir mais longe se quisermos limitar o aumento da temperatura” e a presidente Dilma sinalizou que “o Acordo de Paris unirá a humanidade na tarefa inadiável de enfrentar a mudança do clima”. Na linha da defesa da amplitude do Acordo a ser aprovado e do caráter vinculante do mesmo para as legislações nacionais, François Hollande, presidente da França apontou que a “COP 21 deve produzir um Acordo histórico vinculativo e universal” e em profundo diálogo com seu mandatário, Laurent Fabius, Ministro de Relações Exteriores da França e presidente eleito da COP 21 categorizou que “um acordo climático é uma exigência universal”. Contudo, garantir a universalidade deste Acordo, o compromisso para sua execução, bem como o seguimento e mudança das práticas de violação vigentes aqui na França, aí no Brasil e globalmente requer por princípio sua aplicabilidade legal às legislações nacionais, na afirmação de que as decisões concensualizadas neste fórum apresentem caráter vinculantes, o que é sem grandes análises o enorme receio de muitos Estados – alguns com enorme poder político e econômico – como já se viu em relação a este mesmo tema nas edições da COP 3 de 1997 com adesão – parcial – ao Protocolo de Kyoto e com a não produção de Acordo na COP 15 de 2009 em Copenhagen.

Neste sentido, nos últimos dois dias um enorme desafio está colocado para a negociação iniciada hoje com base na reflexão de como se produzir um Consenso global ambicioso sem a constituição de mecanismos eficazes de monitoramento? Países como Índia e a Arábia Saudita vocalizaram que são expressamente contrários a adoção de um calendário de revisão dos compromissos nacionais anualmente, medida que especialistas, ativistas sócio-ambientais e do campo dos direitos humanos defendem como urgência para que se avaliei em processo as brechas que impedem o alcance das metas a serem acordadas para os próximos 15 anos. Outra questão-chave centraliza-se nos entraves em matéria de financiamento, o presidente chinês Xi Jinping chamou no primeiro dia da Conferência os países desenvolvidos a assumirem sua responsabilidade histórica frente o desequilíbrio ambiental na manutenção do compromisso de financiamento aos países em desenvolvimento para enfrentar as alterações climáticas.

No campo da retórica internacional, com as afirmações de ontem em referência a COP, seja como “ponto de virada” pelo presidente Barack Obama; ou na nomeação do presidente da China como “ponto de partida” ou mesmo como “ponto de ruptura” nas palavras do presidente anfitrião da Conferência, temos a emergência de induzir que este processo constitua-se como um – ponto – de compromisso real-inadiável-vinculante-integral em direitos pelos países frente a agenda ambiental. Não deve-se perder de vista este ponto de orientação política, afinal não se defende a constituição meramente formal de qualquer acordo, sem aplicabilidade entre os governos, sem compromissos, sem metas reais de execução, com ausência de mecanismos concretos de implementação e com ineficientes meios de avaliação.

Nossos governos historicamente tem perdido o tempo histórico – passado do ponto – em referência a agenda ambiental, temos uma possibilidade com esta COP da produção de (d0) novo. Usando o trocadilho que circulou na imprensa local hoje com relação ao sentido da palavra “flop” que caracteriza-se como uma expressão correntemente usada em língua francesa para designar fracasso, uma pergunta nada retórica mas de norte para ação política se coloca: sairemos de Paris ao final destes 10 dias com uma COP ou uma FLOP?

Seguiremos refletindo sobre esta e outras questões ao longo destas duas semanas.

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*Richarlls Martins é da Rede Brasileira de População e Desenvolvimento/REBRAPD, psicólogo, mestrando em Políticas Públicas em Direitos Humanos/UFRJ, membro do Grupo de Trabalho da Sociedade Civil do Brasil para a agenda 2030, representante no Brasil da rede latino-americana e caribenha Igualdad y Justicia Socioambiental/IJSA e tem participado nos últimos anos da delegação brasileira nos principais fóruns das Nações Unidas em diferentes países.

 

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