Metas para o Pós-2015 custará trilhões. E quem pagará a conta?
O mundo vive uma curiosa situação de excesso de liquidez. Em 2014, a história do pensamento econômico ganhou um novo e importante capítulo com o estudo do francês Thomas Pikkety, que demonstrou, a partir de dados oficiais, que o lucro sobre o investimento financeiro é até dez vezes maior do que o crescimento da economia. O Banco de Compensações Internacionais, Suiça, local onde se cataloga o fechamento das transações financeiras internacionais, em seu relatório de 2010 já estimava que o sistema financeiro tem valor setenta vezes maior que o agregado do PIB global. Sem dúvida, é um número difícil de visualizar.
Os Objetivos do Desenvolvimento Sustentável (ODS), que darão continuidade ao trabalho iniciado pelas Metas do Milênio, tem estimativa de custo de implementação entre seis a sete trilhões de dólares por ano. A definição de onde viriam estes recursos deveria ter saído da terceira Conferência para Financiamento do Desenvolvimento – FpD3 – concluída no dia 16 de Julho, em Addis Ababa, Etiópia.
As expectativas para o resultado da Conferência eram ambiciosas, mas o seu resultado não foi satisfatório. A Agenda de Ação de Addis Ababa (AAAA) não desenvolveu a arquitetura financeira inaugurada em Monterrey, México, em 2002 e depois confirmada em Doha, em 2008, e tampouco apontou fontes adicionais de financiamento para a implementação dos ODS. Enquanto a sociedade civil demandava por modalidades concretas como taxas sobre transações financeiras e a substituição do Comitê de Peritos para questões Tributárias da ONU para uma Comissão Intergovernamental para Cooperação Tributária, alguns países, liderados pelos E.U.A e em articulação com a União Europeia, Japão, Canadá, Austrália e o aspirante México, demoliram as propostas apresentadas pelo G77 mais China – grupo de cento e trinta e quatro países que negociam em bloco.
O que era para ter sido um rico debate entre Estados-membro, num ambiente democrático que confirmasse o valor do multilateralismo para a governança mundial, transformou-se num ritual de salas fechadas com pequenos grupos e conversas de corredores. Assim, a Conferência de Addis entrou para a história como um desarranjo no multilateralismo, pois seu resultado foi praticamente uma imposição dos países do Norte aos países do Sul. Seus poucos aspectos positivos foram em muito resultado da liderança do Brasil Garantiu-se a criação de um mecanismo de Facilitação Tecnológica para a cooperação e também a criação de um Fórum que se reunirá anualmente para dar seguimento aos resultados de Addis. O fato é que os trilhões necessários para a agenda de sustentabilidade continuam indefinidos.
A FpD3 evidenciou que o objetivo por trás de toda retórica diplomática dos governos dos países desenvolvidos é aprimorar as condições para manter a estrutura de dependência, como externalidade da garantia de mercados para suas corporações. Este foi, sem dúvida, um capítulo importante do colonialismo do século XXI, um gosto amargo que o mundo irá saborear por alguns anos. E considerando que a ajuda oficial para o desenvolvimento dos países ricos geraram apenas 134 bilhões de dólares no ano passado, como cantou os Beatles, conseguir pagar a conta das novas metas será uma longa e sinuosa estrada.
……………………
Claudio Fernandes, economista, participou da III FfD, representando a Gestos-Soropositividade, Comunicação e Gênero, a Abong – Associação Brasileira em Defesa dos Direitos e Bens Comuns e Campanha da Sociedade Civil Global no Pós 2015.
Republicou isso em Heranças Globais – Memórias Locais.
CurtirCurtir
Pingback: Metas para o Pós-2015 custará trilhões. E quem pagará a conta? | Museu AfroDigital – Estação Portugal